ENTENDA O QUE ESTÁ ACONTECENDO HOJE NA ECONOMIA BRASILEIRA

Por Daniel Weeks

O mundo político tem sido fonte de inesgotáveis ruídos e isso está ofuscando uma revolução silenciosa que está acontecendo na economia brasileira, resultante de uma extensa e profunda agenda de reformas que teve início no governo Temer e que está sendo continuada no governo Bolsonaro.

Vemos duas grandes linhas de reformas, uma relacionada à produtividade e outra orientada à sustentabilidade fiscal. Como um breve resumo, a agenda de produtividade tem como expoente a profunda reforma trabalhista, mas também se estende a uma agenda microeconômica paralela que passa por diversas outras medidas como a terceirização, abertura comercial, cadastro positivo, duplicata eletrônica, lei do distrato, modernização do sistema financeiro, MP da Liberdade Econômica, entre outras.

Economia vive processo de desintoxicação do setor público e de adaptação ao novo regime de juros baixos

Do lado fiscal, tivemos grandes marcos como o teto de gastos, que serviu como âncora fiscal depois do desatino do governo Dilma, e a reforma da previdência, condição necessária, porém não suficiente, para a manutenção do teto. Destacamos ainda a reformulação das políticas parafiscais, especialmente no que diz respeito aos bancos públicos. Dentre elas, a diminuição da participação do BNDES no mercado de crédito e a criação da TLP são fatores importantes garantindo uma menor carga fiscal, bem como uma alocação mais eficiente dos recursos na economia. A agenda de privatizações também deverá apresentar resultados positivos tanto no lado fiscal como na produtividade.

Sabemos que os resultados das reformas não são imediatos e demoram a maturar. No entanto, temos já uma importante consequência dessa agenda no curto prazo que é a queda da taxa de juros neutra. Por décadas, convivemos com taxas de juros elevadas que eram reflexo de uma política fiscal expansionista, distorções no mercado de crédito por parte dos bancos públicos e pouca credibilidade do Banco Central. Agora, temos uma política fiscal permanentemente contracionista, redução da participação dos bancos públicos e um BC que retomou sua credibilidade e persegue metas de inflação cadentes.

A manutenção de taxas de juros altas na economia por décadas gerou diversas distorções e a mudança estrutural que vivemos hoje deve gerar alterações profundas na estrutura econômica adiante. No fiscal, vale ressaltar que temos um ciclo virtuoso em que as reformas fiscais e parafiscais ancoram as perspectivas de sustentabilidade da dívida pública, reduzindo a taxa de juros neutra que, por sua vez, realimenta a melhora da perspectiva fiscal, por uma expectativa de menor pagamentos de juros sobre a dívida pública.

É importante destacar que outras importantes consequências deverão ocorrer na economia. A queda da taxa de juros deverá levar um aumento da demanda por aplicações financeiras com maior risco, retorno e prazo. Devemos ver uma ampliação do mercado de capitais, com maior emissão de instrumentos de crédito e de ações, assim como o aprofundamento do mercado de crédito bancário, o que deverá ajudar na retomada dos investimentos. Um exemplo que chama a atenção é o enorme potencial que existe no mercado imobiliário nesse novo ambiente de juros baixos.

Essa nova forma de alocação de recursos guiada pelo setor privado deverá ter consequências positivas para a retomada do crescimento sustentável. Juntando-se a isso, temos que as reformas microeconômicas em curso também têm o potencial de aumentar a produtividade, ainda que seja difícil mensurar acuradamente seu efeito.

O leitor deve estar se perguntando agora: se o cenário é tão positivo, por que não vemos resultados palpáveis ainda?

Nosso diagnóstico é que a economia passa por um processo de desintoxicação do setor público, assim como um processo de adaptação ao novo regime de juros baixos. Ainda que a diminuição do setor público seja em um primeiro momento contracionista, o setor privado deverá substitui-lo, incentivado pelo ambiente de juros mais baixos. Essa rotação deverá criar condições de uma retomada mais consistente adiante, com maior eficiência na alocação dos recursos. Ou seja, nesse processo de desintoxicação, o paciente sofre as dores de curto prazo da abstinência, mas não se deve perder a perspectiva de que isso resultará em uma vida mais saudável à frente.

A queda na taxa de juros também tem tido impacto no setor externo, onde a demanda por troca de dívidas no exterior por financiamento doméstico e o aumento do uso do hedge cambial tem gerado uma demanda maior por dólar, pressionando a taxa de câmbio. No entanto, no final do processo teremos uma posição externa mais saudável e uma economia mais balanceada frente às possíveis intempéries dos mercados internacionais.

Dado esse cenário construtivo, o que pode dar errado? Podemos citar dois grandes riscos. O primeiro seria perder a âncora fiscal do teto de gastos, resultando em uma perda da ancoragem fiscal. Nesse aspecto, a PEC da Regra de Ouro que está no Congresso traria um grande benefício, pois daria condições políticas para a manutenção do teto (via controle dos gastos obrigatórios, abrindo espaço para investimentos). O governo não deve perder a oportunidade para abordar o problema.

O segundo risco é a falta de crescimento que pode reverter a trajetória reformista que temos adotado desde 2016 e trazer a tentação populista de flexibilização fiscal. A piora do cenário global pode aumentar esse risco. No entanto, já vemos sinais de uma aceleração da economia que, juntamente a uma flexibilização monetária adicional permitida por um cenário de inflação muito benigno, deverá garantir uma retomada mais forte da economia.

Em suma, esse artigo é um convite para se olhar de maneira mais ampla o enorme conjunto de medidas que foram tomadas desde 2016 e que já produzem efeitos sobre a queda da taxa de juros neutra, além da desintoxicação do setor público. O próximo passo será ver os efeitos benignos de médio prazo sobre o crescimento e preços de ativos. A boa notícia é que essa transição do curto para o médio prazo já começou e os resultados estão mais perto do que os olhos podem ver.

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