Vírus Chinês I: notificação, letalidade e o jornalismo

Como vimos em situações como a suposta epidemia de microcefalia, em 2016, o critério científico e médico para a classificação e divulgação de números, baseado na prudência de um recorte maior para depois delimitá-lo, inverte a lógica do jornalismo, que se pauta pela urgência e atualidade, produzindo um efeito de falsa emergência e singularidade. Veremos como isso tem se verificado no âmbito da pandemia do coronavírus.

A metodologia dos testes para definir números de mortes por COVID 19, em todo o mundo, enfrenta dificuldades imensas quanto à confirmação da causa da morte. Como temos mostrado em reportagens específicas sobre a polêmica científica dos números na Itália, a comprovação da presença do vírus chinês não significa uma prova de que o paciente morreu por causa do vírus. A prova ou contraprova da causalidade de mortes pelo vírus é extremamente complexa e impossível de ser feita dentro de um contexto de pandemia


Da mesma forma, as taxas de letalidade da doença enfrentam dúvidas, já que a sua definição mais acurada necessitaria de uma amostragem muito maior dos infectados, incluindo assintomáticos, sintomáticos, graves etc. Atualmente, na maioria dos países, essa taxa tem sido obtida a partir de um cálculo de porcentagem do número de casos confirmados, isto é, do pequeno universo dos pacientes que puderam ser testados. A maioria destes são de pessoas que foram ao hospital, o que significa que são sintomáticos e, em alguns casos, pacientes graves. Certamente há milhares de assintomáticos ou que tiveram poucos sintomas espalhados pela população e que são positivos para coronavírus, o que significaria uma baixa considerável na taxa de letalidade.

Portanto, as taxas de letalidade em uso são provisórias. Mas os números que são divulgados baseados nessas taxas levam a reportagens alarmistas, que por sua vez, pressionam autoridades a decisões.

Números provisórios, conclusões definitivas

Há uma dinâmica de pesquisa e observação na ciência médica que é oposta à do jornalismo, o que provoca um inevitável efeito de sensacionalismo acrescido das intenções suspeitas de donos de jornais que se aliam a políticos para implementar ações de centralização, taxação e limitações de liberdades. O processo é mais ou menos natural e diz respeito à própria forma de conhecimento dessas duas áreas, a ciência e o jornalismo: no início de qualquer epidemia ou fato médico de grandes proporções, há uma supernotificação causada pelo ineditismo do tema e os casos são agrupados como suspeitos ou dignos de atenção pela comunidade médica. Por uma questão de prudência metodológica, estes primeiros dados são quantitativamente significativos, assim como a sua amplitude. A sua divulgação, porém, acarreta uma sensação de alarme na sociedade.

Foi o que aconteceu quando se percebeu aumento nos casos de microcefalia associada ao vírus Zika, em 2016. O número inicial de casos associados era muito grande e virou manchete de todos os jornais, ocorrendo coberturas permanentes e ininterruptas. Mais tarde, médicos explicaram que aquele era um número provisório que definiria o objeto para a posterior investigação e reduziria drasticamente o espectro analisado até chegar nas respostas. Trata-se de um método das ciências empíricas. Mas o jornalismo não acredita ter a obrigação de levar isso em consideração, tampouco os grupos interessados em gerar pânico para conduzir a sociedade a conclusões esperadas por eles.

Esta situação influencia até mesmo no diagnóstico de médicos. Um médico chegou a admitir, em 2016, que a supernotificação de microcefalia e zika estava ocorrendo devido “a maior atenção dada ao tema”. Mais tarde, médicos alertaram que a situação era devido uma subnotificação anterior, isto é, a comparação com períodos em que não havia notificação de casos da má formação no país gerou uma sensação falsa de aumento repentino.

Após o resultado das investigações, a imprensa já deu manchetes e gerou efeitos psicológicos que dificilmente poderão ser desfeitos. Isso porque no jornalismo há um tempo médio para a mudança da opinião ou geração de sensações no público. Passado esse período, as imagens da realidade se vêem cristalizadas e dificilmente sofrerão mudanças.

No caso das mortes por COVID 19, a taxa de letalidade está sendo apontada, como eu disse, por meio de uma amostragem pequena dentro do que é possível no momento, com a ausência de testes. O aumento de testes já está previsto, mas a escolha oficial do último mês foi pela ausência de testes, o que fatalmente aumentaria o número de registros de mortes por COVID 19.

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