‘Vamos atrair iniciativa privada com pegada verde’, diz ministro Rogério Marinho

Um dos protagonistas no debate sobre a injeção de recursos públicos em obras de infraestrutura, o ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, afirmou que está em curso uma mudança no perfil da carteira de projetos e ações da pasta para que deixe de ser majoritariamente pública e atraia cada vez mais parceiros privados.

“É o processo de pegar um transatlântico, que estava indo em determinada direção, e ir gradativamente corrigindo seu rumo”, disse. A aposta de Marinho para atrair os parceiros privados é a certificação “verde” de toda a carteira de projetos coordenados pelo ministério. Isso significa que o governo passaria a cumprir uma série de requisitos para que os projetos apresentados pelo ministério às empresas sejam classificados como “investimentos sustentáveis”.

“Como há hoje muita liquidez (sobra de recursos) no mercado, há também uma propensão para que boa parte desses recursos seja alocada em função dessa pegada ambiental. Nós estamos juntando duas necessidades, da sustentabilidade e do respeito ao meio ambiente com a necessidade econômica”, disse.

Um primeiro passo foi dado com a assinatura na terça-feira, 1º, de um memorando com a Climate Bonds Initiative (CBI), organização internacional sem fins lucrativos que faz a certificação de projetos sustentáveis. Com o selo verde, as empresas conseguem acessar a financiamentos mais baratos no mercado. O plano é ter até o fim do ano um cronograma de implantação do acordo.

Marinho esteve no centro de uma crise interna do governo sobre a alocação de mais recursos públicos em obras de infraestrutura para responder aos impactos da pandemia. Seu ministério vai ganhar ainda neste ano, junta com o de Infraestrutura, um reforço no Orçamento. “O que eu defendo: que a partir de 1° de janeiro de 2021 todos os instrumentos de controle fiscal que foram excepcionalizados em razão do decreto de calamidade sejam restabelecidos”, disse.

Confira os principais trechos da entrevista:

A política ambiental do Brasil está em foco e o senhor comentou que a pandemia ressalta a necessidade de projetos sustentáveis. De que forma?

a carteira do MDR (Ministério de Desenvolvimento Regional) tem essa pegada de sustentabilidade. A aprovação do marco do saneamento nos dá a possibilidade de termos um investimento de quase R$ 700 bilhões nos próximos dez anos. Se você certifica a carteira – não é só um projeto – isso é muito mais atrativo para o investidor. Como há hoje muita liquidez no mercado, há também uma propensão para que boa parte desses recursos seja alocada em função dessa pegada ambiental. Nós estamos juntando duas necessidades, da sustentabilidade e do respeito ao meio ambiente com a necessidade econômica.

O País tem sido pressionado – em muito por parte dos investidores – justamente por sua política ambiental…

O Brasil é o grande player mundial, nós temos a mais completa e moderna legislação de proteção ambiental. Infelizmente somos vistos de forma diversa. As pessoas do mundo inteiro nos caracterizam como destruidores de floresta, quando, na verdade, o Brasil é o País que proporcionalmente mais preserva as suas florestas.

Com a certificação verde e a busca por investidores, o ministério vai mudar o perfil de uma carteira que é majoritariamente alimentada com recursos públicos?

Esse é o grande desafio. Nós contratamos uma consultoria via Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (a consultoria entrega todos os estudos até o fim do ano) para mudar o conceito da nossa carteira. Hoje temos dois estruturadores de projetos, BNDES e a Caixa Econômica, mas eles não têm pernas para fazer frente a todo o volume de ações que estão sendo engendradas pelo ministério. Toda a política de águas é, sem dúvida nenhuma, o maior fator de desenvolvimento humano, e isso está sob nossa coordenação. É uma carteira que envolve o tratamento de esgoto, de resíduos sólidos, de água potável, do estabelecimento de canais de transposição, da perfuração de poços artesianos, revitalização de bacias hidrográficas, por exemplo. Temos a possibilidade de atrairmos a iniciativa privada, se mantivermos essa pegada de governança, sustentabilidade e meio ambiente.

Por que a carteira do MDR é tão dependente no investimento público, enquanto os ministérios de Minas e Energia e Infraestrutura já têm um programa de concessões consolidado?

Nesses casos, mudanças foram feitas há 15 anos, 20 anos. No MDR estamos começando isso agora, com o marco zero em março de 2020. É o processo de pegar um transatlântico, que estava indo em determinada direção, e gradativamente corrigir seu rumo.

Os projetos de saneamento são pulverizados pelo País, justamente pelo fato de a competência não ser da União, mas dos municípios. Como vai funcionar a qualificação desses projetos para uma carteira verde?

A ideia é abranger toda a nossa carteira, onde entra saneamento, iluminação pública, mobilidade urbana, por exemplo. Estamos fazendo um grupo de trabalho com a CBI e até dezembro vamos apresentar um plano com um cronograma de implantação dessa certificação verde.

Como vai funcionar a estruturação desses projetos, já que Caixa e BNDES não têm condições de abraçar a todos esses projetos?

Esses dois instrumentos não têm pernas e capacidade de responder a toda a demanda que está sendo criada. Por isso estamos tratando internamente da remodelação dos fundos de desenvolvimento regionais. Pelo menos nas regiões mais fragilizadas do ponto de vista econômico, que são Norte, Centro-Oeste e Nordeste, a ideia é redefinir o papel desses fundos, para que eles também possam contratar estruturação de projetos e aumentar a amplitude dessa carteira e colocá-las à disposição da iniciativa privada.

Essa nova destinação precisa de aprovação do Congresso?

Nós estamos debruçados com um grupo de trabalho sobre esse tema, esperamos apresentar a proposta de alteração da destinação dos fundos nos próximos 40 dias. Talvez seja possível fazer de forma infralegal, talvez haja necessidade de ação junto ao Legislativo.

De quanto recurso esses três fundos dispõem?

Temos algo em torno de R$ 5,3 bilhões e uma carteira de oito a nove anos de duração com mais R$ 8 bilhões ou R$ 9 bilhões, que poderiam ser bem usados na estruturação de projetos para atração de investimentos. São fundos que têm baixíssima alocação. Com a diminuição de taxas de juros, eles perderam um pouco da sua atratividade, além de um processo extremamente burocrático na sua liberação (carteiras que devem retornar ao fundo). É bom frisar que são fundos de desenvolvimento regional, não fundos constitucionais.

Há uma mudança em curso, mas o ministério também pediu mais dinheiro público para bancar obras de infraestrutura. Como fica o Pró-Brasil nessa história? O senhor entende que é preciso flexibilizar o teto de gastos?

A nossa parte (no Pró-Brasil) foi encaminhar uma carteira, a partir de uma solicitação feita a partir da Casa Civil. Temos que aguardar o desfecho. O teto (regra que atrela o crescimento das despesas à inflação) tem uma legislação de 2016, eu estava na Câmara e votei o teto. Lá foi dito quando era a excepcionalidade do teto, e todo mundo concorda que há necessidade neste ano de se gastar excepcionalmente acima do que foi preconizado pela lei de diretrizes orçamentárias e pelo Orçamento do ano anterior, e também pelo que foi contabilizado de investimentos acrescido pela inflação, que é o teto. Nós vamos gastar perto de R$ 800 bilhões do que estava convencionado. Então, o fato é que o teto, de acordo com a própria legislação e com a exceção que ela permite, foi ultrapassado neste ano. O que eu defendo: que a partir de 1.° de janeiro de 2021 todos os instrumentos de controle fiscal que foram excepcionalizados em razão do decreto de calamidade sejam restabelecidos.

Mas isso abre espaço para usar mais recursos em obras públicas?

Já foi definido um remanejamento orçamentário para que as obras que estamos tocando não sejam paralisadas. A exemplo do Pró-Brasil, enviamos o que precisamos para que as obras não sejam paralisadas, de acordo com determinação do presidente da República. Eles têm a nossa pedida, que dá R$ 1,7 bilhão. Eles vão definir, onde vão fazer eventualmente suplementações, cortes, etc.

Estadão

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