MÁFIA COVID: Investigações da PF sobre contratos suspeitos na pandemia somam R$ 2 bilhões

A Polícia Federal investiga indícios de desvios de verbas públicas para o combate ao coronavírus em contratos que, somados, chegam a R$ 2 bilhões. As apurações tratam, por exemplo, de suspeitas de fraudes em licitações, compras de insumos com empresas de fachada e superfaturamento na aquisição de equipamentos.

Desde abril, a PF já realizou 52 operações em 19 estados, em busca de provas para aprofundar as investigações sobre as possíveis fraudes.

Todas essas ações somaram 11 prisões preventivas, 120 detenções temporárias e 929 mandados de busca e apreensão. Parte das investigações se baseou em auditorias e relatórios da Controladoria-Geral da União (CGU). Investigadores apuram agora, dentro desse universo de R$ 2 bilhões, quanto de fato foi desviado.

Os dados incluem, por exemplo, a ação que mirou um esquema de corrupção no Rio e afastou o governador Wilson Witzel (PSC) do cargo, além de outras operações contra governadores, autorizadas pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). A maioria dos casos, entretanto, correu na primeira instância.

Maior caso é o do Rio

A investigação sobre contratos suspeitos assinados pelo governo Witzel com a organização social Iabas para gerir sete hospitais de campanha representa o maior caso na mira da PF: R$ 835 milhões sob suspeita de irregularidades.

Na investigação, os policiais e a Procuradoria-Geral da República (PGR) detectaram possíveis fraudes realizadas na gestão estadual para permitir que a Iabas fosse favorecida e obtivesse a gestão dos hospitais, mesmo já tendo histórico de irregularidades.

A PF realizou em 26 de maio uma operação para vasculhar 12 endereços em busca de elementos que comprovassem irregularidades em contrato de R$ 835 milhões firmado entre o Estado do Rio e a organização social Iabas para a construção de sete hospitais de campanha. O governador Wilson Witzel (PSC) foi alvo de buscas no Palácio Laranjeiras, residência oficial. Provas recolhidas pelos investigadores, incluindo e-mails, foram utilizadas para embasar o pedido da PGR pelo afastamento de Witzel, determinado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) em agosto.

O governador do Amazonas, Wilson Lima (PSC), foi alvo de busca e apreensão e bloqueio de bens em 30 de junho, na mesma operação em que foi presa sua secretária de Saúde, Simone Papaiz. A PF apura supostas fraudes e desvios na compra de respiradores com dispensa de licitação de uma importadora de vinhos. Os mandados foram cumpridos na sede do governo do estado, na casa do governador e na secretaria de saúde, em Manaus.

Em Roraima, a PF apura suspeitas de sobrepreço e superfaturamento na execução de emendas parlamentares destinadas ao combate à Covid-19 no estado. Os contratos envolvidos no esquema totalizariam cerca de R$ 20 milhões. Ao cumprirem um mandado de busca e apreensão na casa do senador Chico Rodrigues (DEM), em Boa Vista, agentes da PF descobriram que o parlamentar estava escondendo cerca de R$ 30 mil na cueca. A busca aconteceu em 14 de outubro. Rodrigues era vice-líder do governo e membro do colegiado do Congresso Nacional responsável por acompanhar a execução de recursos relacionados ao combate ao coronavírus.

A organização chegou a ser proibida de contratar com o governo estadual no início de 2019, mas o veto foi contornado pelo governo Witzel, que entregou a gestão dos hospitais de campanha para a entidade. Witzel e Iabas negam irregularidades.

De acordo com o delegado Thiago Delabary, coordenador-geral de repressão à corrupção e à lavagem de dinheiro da PF, a corporação usou a experiência adquirida nos últimos anos em grandes investigações sobre desvios de recursos públicos para combater irregularidades envolvendo verbas direcionadas para o enfrentamento da pandemia.

— O alto índice de reprovabilidade social desses desvios impõe à Polícia Federal o desafio de investigá-los, incansavelmente, mesmo nesse período de pandemia — afirmou Delabary.

A urgência nas contratações para suprir as demandas da pandemia e a falta de controle nesses gastos acabaram impulsionando a ocorrência de irregularidades, apontam as investigações. Houve superfaturamento até na compra de itens básicos, como álcool em gel e máscaras.

A aquisição de itens junto a empresas supostamente de fachada foi uma fraude frequente encontrada nas apurações. Um dos casos mais notórios ocorreu no Amazonas, onde o governo estadual comprou 28 respiradores de uma loja de vinhos, sem licitação, por cerca de R$ 3 milhões.

Segundo as investigações da PF, esse estabelecimento pagou uma empresa que comercializa os equipamentos, mas repassou o material para o governo com superfaturamento de 133%. O governador Wilson Lima (PSC) é investigado sob suspeita de ser chefe do esquema, o que ele nega.

O Legislativo também entrou na mira dos agentes da PF. Há dez dias, o senador Chico Rodrigues (DEM-RR), que era vice-líder do governo Bolsonaro, foi alvo de busca e apreensão durante uma operação sobre desvios em Roraima. Em sua residência, foram encontrados cerca de R$ 90 mil — aproximadamente R$ 30 mil estavam dentro da cueca do parlamentar. O senador disse que escondeu o dinheiro, que seria usado para pagar funcionárias, por impulso.

Com tantas operações, a PF bateu recorde de valores de bens apreendidos neste ano, que totalizaram R$ 5,4 milhões até outubro. Em 2018 e 2019, os volumes foram de R$ 2,5 milhões e R$ 2,7 milhões, respectivamente.

Foto: Marcia Foletto / Agência O Globo

Volume pode ser maior

Além das ações da Polícia Federal, investigações estaduais miraram desvios relacionados à Covid-19 e elevam ainda mais o montante total de recursos públicos que podem ter sido aplicados de forma irregular em meio à pandemia.

O Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, por exemplo, realizou operações para apurar suspeitas de irregularidades em contratos do DF envolvendo hospital de campanha e aquisição de testes rápidos. Já a Polícia Civil da Bahia investiga a compra de respiradores, no valor de R$ 48 milhões, junto a uma empresa que nunca entregou o material. O caso foi remetido à PGR.

Em Santa Catarina, a gestão do governador Carlos Moisés (PSL) foi investigada pela Polícia Civil e pelo Ministério Público estadual sob suspeita de fraudes em um contrato de R$ 33 milhões para compra de 200 respiradores, com pagmento antecipado. O caso foi repassado ao Ministério Público Federal (MPF)e o Moisés nega ter cometido irregularidades.

Para Bruno Brandão, diretor executivo da Transparência Internacional no Brasil, a urgência do momento criou terreno fértil para os desvios nos estados:

— Foi a tempestade perfeita para a corrupção, não só no Brasil como no mundo. Nunca se gastou tantos recursos públicos e nunca se relaxaram tanto os controles. O risco de corrupção ficou maior.

O Globo

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