É impossível haver socialismo e liberdade – como nos mostra a Venezuela

Em seu livro O Caminho da Servidão, Friedrich Hayek aniquila a ideia de que é possível o estado controlar a economia sem que isso gere tirania e perda das liberdades individuais.

Em parte, seus argumentos são extremamente convincentes porque Hayek ressalta o indiscutível fato de que tudo em nossas vidas está ligado à economia. Se a economia se deteriora, nosso padrão de vida vai junto. E, com ele, nossas mais básicas liberdades civis.

O controle dos especialistas

O impacto que a área econômica tem sobre nossas vidas diárias não é facilmente reconhecido pela maioria das pessoas. Preocupadas com suas necessidades mais imediatas e com suas tarefas diárias, indicadores econômicos não apenas parecem desconectado de nossas vidas, como também aparentam ser quase que completamente irrelevantes para os cidadãos comuns.

E, dado que algo tão complexo quanto a economia nacional é geralmente deixado sob o controle de “especialistas”, muitas pessoas também supõem que se trata de uma questão completamente fora do controle delas. E essa pressuposição é essencial para os planejadores econômicos, pois é assim que eles reforçam sua autoridade.

Só que a economia está intrinsecamente conectada a todos os aspectos de nossas vidas. Das roupas que vestimos à comida que comemos, dos nossos empregos à nossa educação: a economia está em todas as coisas. E, sem liberdade econômica, não é possível haver liberdade. Ponto.

E qualquer pessoa que ainda tenha alguma dúvida de que o controle da economia pelo governo irá necessariamente levar à tirania e à opressão pode simplesmente olhar para a Venezuela.

Por que detestar a liberdade comercial?

É impossível ver alguma lógica em quem diz defender o socialismo e a liberdade. Pitorescos são aqueles socialistas que dizem acreditar fervorosamente nas liberdades sociais e ao mesmo tempo desprezam a liberdade econômica.

É por isso que vários proponentes do socialismo e de outras formas de controle estatal defendem vários tipos de restrições econômicas sem qualquer preocupação com as consequências sobre as liberdades civis. Eles genuinamente acreditam que ambas as coisas são entidades completamente distintas e separadas, cada uma existindo sem exercer nenhum impacto na outra.

No entanto, tão logo a economia é colocada sob total controle do estado, a abolição dos direitos individuais se torna inevitável. Isso sempre ocorreu em todos os países que tentaram o socialismo ao longo da história. Atualmente, temos a infelicidade de testemunhar ao vivo isso ocorrendo em um país que já teve a quarta população mais rica do planeta e que hoje está em total estado de desintegração civil graças à tragédia de ter colocado sua economia sob total controle do governo.

A situação na Venezuela se tornou tão pavorosa, que caberia perfeitamente no roteiro de uma novela distópica. O que começou como uma crise econômica se transformou em um pesadelo humanitário sem qualquer perspectiva de fim.

A mistura de hiperinflação (gerada pela impressão desmedida de dinheiro), controle de preçosestatização de fábricas e de lojas e redistribuição de riqueza bagunçaram completamente a economia. Elas não apenas não conseguiram gerar oferta abundante de nenhum bem (como prometiam os socialistas), como, ao contrário, geraram desabastecimento generalizado, com racionamento de papel higiênicocomida, cervejaeletricidadeágua e remédios.

Até mesmo os hospitais ficaram sem papel higiênico e sem remédios. A taxa de mortalidade de recém-nascidos disparou. As pessoas de classe média que antes tinham emprego estão hoje esfomeadas, tendo de literalmente revirar latas de lixo e matar gatos e pombos nas ruas para ter o que comer. A população está desnutrida. (Recentemente, para aplacar a fome, os venezuelanos passaram a matar vacas a pedradas. Este vídeo publicado pelo jornal britânico The Daily Mail mostra pessoas apedrejando uma vaca aos gritos de “estamos com fome” e “estamos sofrendo”.)

Particularmente curioso foi o que ocorreu no setor petrolífero. A Venezuela já foi o país com as mais abundantes reservas de petróleo do mundo, das quais sua economia dependia fortemente. Com efeito, essas reservas eram responsáveis por 95% de toda a exportação. Em seu ápice, o país era capaz de produzir 3,4 milhões de barris de petróleo por dia. No entanto, após a chegada de Hugo Chávez ao poder e uma subsequente greve de petroleiros, o líder decidiu demitir todos os grevistas e substituí-los por pessoas leais ao seu governo.

Essa tomada pelo governo da fonte primária de riqueza do país significou que aquelas pessoas com mais experiência no setor foram expulsas e substituídas por trabalhadores inexperientes mas com lealdade política. E, após anos de malversações e decisões ruins tomadas pelo estado, a produção de petróleo começou a cair significativamente.

Segundo dados recentes, a produção de petróleo já havia caído para 2,1 milhão de barris por dia, uma queda de quase 40%. E a tendência é de mais queda.

De acordo com a lógica seguida por aqueles que se recusam a reconhecer a conexão direta entre liberdade econômica e liberdades civis, nenhum desses fenômenos citados deveria ter qualquer efeito sobre a vida cotidiana dos venezuelanos. Obviamente, isso não é o caso.

Como Hayek já havia alertado:

O planejamento econômico centralizado não afeta apenas aquelas necessidades que consideramos marginais e secundárias quando falamos com desdém sobre aquilo que é puramente econômico. O planejamento centralizado, com efeito, significa que os indivíduos não mais podem nem sequer decidir o que é secundário.

A autoridade que está dirigindo a atividade econômica irá controlar não somente aquele lado de nossas vidas voltado para as coisas secundárias; irá controlar também a alocação de todos os recursos escassos, afetando a satisfação de todas as nossas necessidades primárias. Quem estiver no controle de todas as atividades econômicas irá controlar os meios para a consecução de todos os nossos desejos, e consequentemente terá o poder de decidir quais devem ser satisfeitos e quais não. Esse é realmente o cerne da questão.

E é exatamente isso o que está acontecendo na Venezuela.

À medida que a situação econômica foi piorando, os cidadãos foram perdendo o controle de suas vidas. Como a eletricidade se tornou escassa no país — devido ao controle de preços e às estatizações ocorridas no setor —, o governo assumiu a função de determinar quem pode e quem não pode usar energia elétrica, e por quanto tempo. Mas isso não significa apenas que os cidadãos desafortunados ficam em casa no escuro e sem uma geladeira funcionando; significa também que vários estabelecimentos comerciais irão à falência.

Um comerciante relatou sua frustração quando estava tentando passar um cartão de débito em sua máquina. Como todo o país está sujeito blecautes repentinos sempre que o governo considera necessário, a eletricidade acabou exatamente quando ele estava tentando processar o pagamento.  Obviamente, ele não conseguiu finalizar a transação e a venda não foi realizada. Ele ficou sem o dinheiro e o consumidor não conseguiu comprar o que queria. Ambos ficaram em pior situação.

Se a economia não tem liberdade para funcionar, não há como obter ganhos com transações comerciais e, consequentemente, não há como ter prosperidade econômica.

Mas isso ainda nem de perto representa o pior.

Estatização da economia é humilhação

Alimentos e itens essenciais, como papel higiênico e remédios, não apenas estão escassos, como também estão completamente sob controle estatal. O estado passou a ser o responsável por sua distribuição. Consequentemente, aqueles que querem adquirir esses itens têm de acordar cedo, muito antes do nascer do sol, e ir para a fila dos centros de distribuição (a maioria dos supermercados foi estatizada e toda a distribuição de alimentos foi colocada sob supervisão militar desde 2015).

Só que há um detalhe: enquanto esperam nas longas filas que se formam fora dos supermercados (um venezuelano gasta, em média, 8 horas por semana na fila de um supermercado para conseguir itens essenciais), os “consumidores” — se é que podem ser chamados assim — se tornam um alvo fácil para os ladrões.

Tornou-se corriqueiro assaltantes violentos apontarem armas para pessoas que estão na fila e roubá-las de absolutamente todas as eventuais riquezas que ainda possuem. Houve um caso escabroso: um homem foi assassinado na fila por tentar proteger seu telefone celular. E, enquanto ele estava no chão, agonizando, ninguém se ofereceu para socorrê-lo e a fila continuou intacta, pois, quem quer que fosse ajudar o homem perderia seu lugar na fila, e consequentemente tal pessoa não conseguiria obter os itens essenciais para sua família.

É comum os venezuelanos passarem um dia inteiro na fila apenas para descobrirem que o estabelecimento está completamente vazio e sem suprimentos.

Obviamente, cidadãos frustrados que querem mudar a situação ou ao menos protestar abertamente também não podem fazer isso, pois a liberdade de expressão foi abolida pelo governo. Qualquer oposição vocal ao estado pode colocar você na cadeia, de onde você não conseguirá ajudar ninguém.

Essa catástrofe também se espalhou para os hospitais. Dado que água e eletricidade se tornaram escassas, os hospitais não mais conseguem esterilizar os equipamentos e nem mesmo lavar as manchas de sangue das camas cirúrgicas. A mortalidade infantil disparou, pois as crianças nascidas sob tais condições insalubres e sem acesso a alimentos têm poucas chances de sobrevivência. Segundo dados divulgados pelo próprio governo, houve um aumento de 30% nos óbitos de crianças e um salto de pelo menos 65% nos falecimentos de gestantes em partos.

Mas o mais doloroso de tudo é a desnutrição infantil. As cenas de crianças esqueléticas e bebês se desmanchando em ossos, em conjunto com famílias inteiras revirando latas de lixo nas ruas das cidades, são um espetáculo dantesco demais para ser ignorado. (ATENÇÃO: CENAS FORTES).

Enquanto isso, Nicolás Maduro continua louvando o socialismo e demonizando o capitalismo. Ele próprio chegou a dizer que “a Venezuela deve aprofundar o socialismo para melhorar a economia”. Até mesmo ajuda humanitária internacional foi recusada pelo governo de Caracas, pois o auxílio era oriundo de “países capitalistas”.

O livre mercado é a libertação

Aqueles que defendem a economia planificada acreditam que ela irá libertar os indivíduos da mundana tarefa de ter de fazer escolhas. Apenas se esquecem de que é exatamente o direito de escolher o que nos torna livres acima de tudo.

“Nossa liberdade de escolha em uma sociedade competitiva jaz no fato de que, se uma pessoa se recusa a satisfazer nossos desejos, podemos recorrer a outra. […] E se uma determinada maneira de alcançar nossos fins se mostra cara demais para nós, somos livres para tentar outras maneiras”, disse Hayek. E ele está certo. Na Venezuela, os cidadãos não podem optar por comprar papel higiênico de vendedores diferentes. Eles simplesmente têm de esperar na fila até conseguir um (na melhor das hipóteses, depois de várias horas).

Quando o governo assumiu o controle da economia, o poder de escolher foi inteiramente dado ao estado. E ao estado não interessa qual marca de papel higiênico você usa ou qual preço você está disposto a pagar. A ele não importa qual remédio é crucial para que você continue vivo. Ele apenas determina uma lista de itens que serão disponibilizados, a qual será elaborada totalmente de acordo com os critérios arbitrários e subjetivos dos controladores. Sob este arranjo, todos são iguais porque todos se tornam igualmente insatisfeitos.

E, como o governo está no completo controle da situação (acima de tudo, ele possui o monopólio das armas), não há nada que as pessoas possam fazer quanto a isso, o que torna a situação ainda pior. Como Hayek explicou: “Nada torna as condições mais desesperadoras e intoleráveis do que o fato de você saber que nenhum esforço seu poderá mudar a situação”.

O que é pior, os defensores do socialismo glorificam esse arranjo dizendo que essa ausência da necessidade de fazer escolhas é libertadora. Agora que o estado decidiu quando, onde e a que custo algo pode ser adquirido, os venezuelanos foram finalmente libertados deste pesado fardo. Eis aí algo realmente inspirador…

Conclusão

Para aqueles que ainda querem acreditar que fatores econômicos podem ser perfeitamente separados da liberdade individual, Hayek dá o recado:

Para nós, cidadãos comuns, valores econômicos aparentam ser menos importantes do que as outras coisas da vida exatamente porque nas questões econômicas somos livres para decidir o que é mais importante e o que é menos importante para nós.

Mas tão logo o governo assume o controle da economia, esses valores econômicos deixam de ser um dado meramente trivial de nossa vida e assumem uma importância suprema, capaz de decidir vida e morte.

A Venezuela está logo ali para nos lembrar diariamente disso.

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