Leilão de transmissão de energia: sucesso e preocupação

No dia 28 de março último, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), promoveu um mega leilão de concessões de Linhas de Transmissão e Subestações de Energia Elétrica. – Leilão de Transmissão 01/2024. Os números desse Leilão são impressionantes. Resumo abaixo os principais deles:

-15 lotes ofertados e arrematados
– 6.464 km de extensão de linhas
– 9,2 MVA de capacidade de transformação
– R$ 18, 2 bilhões de reais em investimentos
– R$ 1,77 bilhão de reais de receita para os investidores
– 30 anos de prazo para as concessões
– Prazo de entrega de 30 a 72 meses

A maioria dos empreendimentos destina-se a rede básica do Nordeste, para possibilitar o escoamento da energia proveniente de empreendimentos de produção renovável, em especial para as usinas eólicas e solares….

Destacam-se entre os vencedores, a Eletrobrás/Eletronorte, como maior vencedora, seguida pela Energisa, EDP e BTG com seu Fundo FIP Warehouse.

O Ministro das Minas e Energia declarou após o término do Leilão na B3 -Bolsa Valores:

“Serão mais de 350 mil empregos diretos e muitos canteiros de obra em Minas Gerais, na Bahia, em Sergipe, no Rio Grande do Norte, no Piauí, permitindo que também outros Estados possam receber investimentos parrudos para que a gente possa cumprir o grande propósito do nosso governo, que é gerar emprego e renda”, declarou….

Enfim, esta é a parte do sucesso.

Importante destacar que essa modalidade de contratação por leilões realizada pela Aneel, é um sucesso há mais de 20 anos. O primeiro Leilão foi realizados em 1999 . de lá pra cá, foram realizados mais de 50 leilões para esse segmento de Transmissão…O propósito de criar empregos e renda, é mérito de outros governos passados, também.

Portanto, dizer que é um programa do PAC, como alardeado, parece-me um exagero e aproveitamento de uma coisa que deu e dá certo. Neste caso, o C do PAC é de Carona.

Um outro ponto a destacar é que o investimento em novas linhas será bancado por todos os consumidores de energia –mesmo os que não se beneficiem dessas novas estruturas.

Agora, passo a comentar o que eu chamo de preocupação, citando apenas 3 delas.

PARQUE INDUSTRIAL BRASILEIRO

Uma semana antes da realização do Leilão foi apresentado pelo presidente da CNI, Ricardo Alban, ao presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, o documento que reúne um conjunto de 134 propostas que serão prioritárias do setor industrial este ano.
Na citada apresentação, o vice-presidente, que é, também, ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, chamou a atenção para os projetos prioritários para o desenvolvimento da indústria nacional e reforçou a importância da análise e aprovação das medidas apresentadas pelo governo federal. Entre os projetos destacados estão o mecanismo de depreciação acelerada, que vai facilitar a substituição de máquinas e equipamentos do parque fabril brasileiro; o programa Mover – Mobilidade Verde e Inovação, que irá incentivar a descarbonização da indústria de veículos; e a adoção da figura da Letra de Crédito de Desenvolvimento (LCD), que reduz os juros de empréstimos tomados pela indústria.

“Nós precisamos renovar o parque industrial que está envelhecido, trocar as máquinas e equipamentos para ganhar competitividade”, enfatizou o vice-presidente.

É uma constatação que o parque industrial brasileiro não suportará as encomendas para atender a demanda dos empreendimentos do leilão em tela. Agrava mais ainda o quadro, se levarmos em consideração que em dezembro último foi realizado leilão semelhante, o 02/2023, que, também, é muito significativo nos aspectos aqui abordados.

O cumprimento dos cronogramas será alcançado com volume expressivos de importações de torres, cabos condutores, isoladores, transformadores, disjuntores e por aí vai.

Os grandes financiadores de programas como este, pelo que sempre aconteceu nos empreendimentos passados, são o BNDES e os Fundos Constitucionais, por óbvio recursos repassados pelo Tesouro Nacional.
Destaco, então, que o setor industrial tem incentivos e está sendo amparado por outras medidas a serem tomadas, constantes do documento da CNI.

II- MÃO DE OBRA

Aqui surge outro gargalo.

Para atingir os 350.000 empregos diretos, é necessário a inclusão de um forte contingente de trabalhadores que tem de ser treinados e capacitados para obras civis e montagens. Como conseguir isso se as pessoas estão preferindo viver de assistência social do que trabalhar ?
Estamos assistindo isso em todas as regiões do país … Falta mão de obra para colheitas, no Agronegócio, nas indústrias, no comércio. A CNI, através do Senai, tem uma grande oferta de cursos, mas não aparecem os candidatos. As empreiteiras e montadoras terão que buscar mão de obra nos países vizinhos. Quem trabalha com carteira assinada perde o BPC- Benefício de Prestação Continuada.

A construção e montagem das obras de um empreendimento de Transmissão são envolvidas com elevados graus de riscos de acidentes,,,

Por óbvio, as empresas não se arriscarão a contratar pessoas sem as necessárias e obrigatórias exigências legais.

Aqui o paradoxo. Um alto grau de incentivo faz desaparecer a mão de obra.

LICENCIAMENTO AMBIENTAL

Aqui que mora o perigo !!!

Temos assistido nos últimos anos um desmantelamento do IBAMA. Cito alguns trechos de comunicados do Asibama- -Associação dos Servidores da Carreira de Especialista em Meio Ambiente, nos últimos dias:

-Cleberson Zavaski, presidente da Associação Nacional dos Servidores da Carreira de Especialista em Meio Ambiente (Ascema Nacional), já havia dito que os servidores esperavam uma reunião com o Ministério da Gestão, com apresentação de nova proposta pelo órgão, até a última sexta (22) – o que não ocorreu. Com isso, Zavaski agora alerta para uma possível escalada na atual mobilização. “Se até o início de abril não tiver acordo, deve haver paralisação geral”

-Mais uma semana e mês chegando ao fim e não obtivemos devolutiva do MGI sobre a reestruturação da carreira ambiental. Chegamos a 90 dias de mobilização de servidoras e servidores e o governo brasileiro prefere assumir os prejuízos e atrasos noticiados na mídia nos relatos de setores da economia brasileira.

Dizemos responsável, porque, acima de tudo, se contradiz. No discurso, é pela defesa do meio ambiente, mas na prática não quer entender a relação óbvia entre a garantia da preservação, monitoramento, recuperação, conservação e qualidade dos recursos ambientais passar obrigatoriamente pela garantia de uma carreira de estado fortalecida, valorizada e com condições totais para desenvolvimento de suas atividades.

É fácil entender, então, a insegurança que toma conta do cenário de licenciamento ambiental para os empreendimentos ora licitados e os que foram licitados, anteriormente, ainda em fase de autorizações de Licenças Prévias – LP. Licenças de Instalação- LI e Licenças de Operação – LO.

Eu conheço bastante as atividades do Ibama, mas não conheço tudo. O Ibama é uma autarquia responsável pela execução da Política Nacional do Meio Ambiente -PNMA – de uma abrangência enorme.

A política ambiental brasileira é elogiada internacionalmente. Mas, sua efetividade depende de organismos bem estruturados, pessoal qualificado e com remuneração justa, o que não vem acontecendo. Acontece. justamente o contrário. E vale, também para a Agência Nacional das Águas – ANA e para o Instituto Chico Mendes da Biodiversidade.
O Brasil se prepara para receber a 30ª Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP30), a ser realizada em Belém (PA), em novembro de 2025. O Pará é um estado emblemático para sediar a COP 30. Portal da Floresta Amazônica, duas Hidrelétricas expressivas, UHE Tucuruí e UHE Belo Monte, esta última sempre alvo de críticas.
E o que estamos assistindo é o desmonte do orgão responsável por cuidar dos assuntos ambientais.
Eu tenho 57 anos de atividades no Setor Elétrico Brasileiro e no caso dos licenciamentos ambientais, sempre entendi que o Ibama é parte integrante do empreendimento. Empreendimento conviverá com o Ibama durante todo o período da concessão (no caso presente, por 30 anos). Licenças de Operação são renovadas à cada 5 anos, supressão de vegetação na faixa da Linha de Transmissão. acompanhamento dos resultados e efeitos das condicionantes, etc.

Os dois itens citados acima sobre preocupação estão sendo olhados e cuidados. O terceiro, Licenciamento, não.

Como não existem técnicos na prateleira, remontar o que se perdeu e continua se perdendo, vai levar tempo. Tem que haver concurso e valorização da carreira.

Espero que não precisemos assistir o que diz a célebre frase de Otávio Mangabeira, engenheiro, professor e político brasileiro. Foi governador da Bahia e membro da Academia Brasileira de Letras.

* “pense num absurdo, no Brasil há precedente”
Luiz Gonzaga Rennó Salomon é engenheiro Eletricista, Mecânico e Civil; doutor honoris causa peala Universidasde de Itajubá (Unifei).

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