A morte de Sarah Raíssa Pereira, de oito anos, vítima provável do chamado “desafio do desodorante” — prática que circula nas redes sociais e consiste em inalar aerossóis pelo maior tempo possível — levou a deputada federal Maria do Rosário (PT-RS) a coletar assinaturas para a criação de uma comissão parlamentar de inquérito (CPI) para investigar crimes cometidos contra crianças e adolescentes no ambiente digital. Ao Correio, a parlamentar detalhou os objetivos da CPI.

“Há uma dor muito grande por conta da menina Sarah e tudo que a gente ficou sabendo — sobre a possibilidade de ela ter sido morta por conta de um desafio da internet. Mas o contexto é muito difícil para a infância brasileira no atual momento. São vários crimes cometidos diariamente”, lamentou.

A comissão pretende investigar a ação de grupos ou indivíduos que, por meio das redes sociais, induzem, estimulam e recrutam crianças e adolescentes para o cometimento de violência — seja contra si mesmos ou contra terceiros. Também estão no escopo da CPI a responsabilidade das plataformas digitais, a ação ou omissão dos órgãos públicos de regulação e a propagação de discursos de ódio, especialmente os voltados contra meninas adolescentes.

“Sobre esse caso de desafios, o próprio Ministério da Justiça apontou possibilidade de que 56 crianças tenham morrido ao longo de um ano, em participação em desafios. Achei gravíssimo isso. Mas não se trata só disso. Trata-se de crianças e adolescentes que são puxados para cometerem atos violentos também, que acabam sendo envolvidos em circunstâncias de abuso, de violência”, alertou a deputada.

Ex-ministra dos Direitos Humanos e Cidadania no governo Dilma Rousseff, Maria do Rosário afirma que a CPI pode ser um instrumento mais eficaz do que inquéritos policiais, já que tem poder de convocação, acesso a documentos e condições de propor mudanças na legislação. “Fiz um levantamento do que temos hoje de denúncias e identifiquei que uma CPI pode ser importante. Isso porque, além de fazer a investigação, propõe medidas — que aconteceu em outros momentos na Câmara dos Deputados, nos crimes sexuais contra crianças. A Câmara teve três CPIs para investigar crimes sexuais, e as três produziram avanços legislativos para enfrentar esses crimes.”

Ao Correio, a parlamentar destacou que o ambiente digital atual, com o uso intensivo de redes sociais e até da inteligência artificial, ampliou as ameaças às crianças. Mas a legislação não acompanhou essa transformação. “Não temos um arcabouço legal. Aí é uma terra de ninguém”, criticou.

Para a deputada, o objetivo da CPI será identificar as vulnerabilidades nas plataformas e investigar como essas brechas estão sendo exploradas por criminosos. A parlamentar deixou claro que o colegiado pretende “investigar grupos e indivíduos que atuam no aliciamento e na realização de atos violentos e na promoção da violência e do ódio no meio da infância e adolescência. Ao mesmo tempo que identifica esses grupos e esses indivíduos, analisa-se como as redes sociais podem ser protegidas”.

Rosário argumenta que o combate à violência digital contra crianças e adolescentes deve ser tratado como prioridade nacional. “A sociedade, os pais, as famílias, as escolas, todas as instituições devem cumprir o seu papel na proteção. Não diria a palavra omissão, mas diria que, até o momento, não nos estivemos atentos à gravidade da responsabilidade que temos”, salientou, para complementar.

“Tive acesso a diversas pesquisas publicadas sobre o tema e essas pesquisas indicam que não apenas indivíduos, mas organizações atuam no sentido do aliciamento para a violência e a formação de uma cultura que naturaliza a prática da violência, por exemplo, contra meninas, contra mulheres, contra as escolas”.

A expectativa da deputada é alcançar o número necessário de assinaturas para viabilizar a instalação da CPI ainda neste semestre.

Quem também se manifestou foi o advogado-geral da União, Jorge Messias. Em publicação no X (antigo Twitter), ele destacou que “as circunstâncias da morte da criança Sarah merecem rigorosa apuração e convocam novamente a refletir sobre a necessidade de um marco normativo eficiente para as redes sociais”. Ele observou, ainda, que “a catástrofe remarca a essencialidade de termos ferramentas regulatórias para prevenir e responsabilizar, de forma efetiva, os divulgadores de conteúdos falsos/maliciosos nas redes sociais, bem como as big techs, quando essas se omitem apenas para transformar desinformação em lucro. Essa agenda não é apenas do governo, é uma pauta que interessa às famílias brasileiras”.

Sarah foi levada ao Hospital Regional de Ceilândia (HRC) após sofrer uma parada cardiorrespiratória. Os médicos tentaram reanimá-la por cerca de uma hora, mas sem sucesso. A morte cerebral foi constatada no mesmo dia, e o óbito foi declarado oficialmente três dias depois. O corpo de Sarah foi sepultado ontem. 

Correio Braziliense

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