As frases do arcebispo Jorge García Cuerva, durante o seu sermão, em Buenos Aires, sintetizaram o tamanho da perda, a enormidade do luto. “Morreu o pai de todos”, afirmou. “O papa dos pobres, dos marginalizados, dos excluídos por muitos, se foi.” Nascido a 17 de dezembro de 1963 no bairro de Flores, na capital argentina, Jorge Mario Bergoglio começou a semear o seu jardim nas igrejas da cidade, até se tornar cardeal, em 21 de janeiro de 2001, pelas mãos de João Paulo II, e papa Francisco, em 13 de março de 2013, após a morte de Karol Wojtyla, aos 84 anos. Na noite de ontem, uma multidão de fiéis se reuniu diante da Basílica de San José de Flores para render homenagens ao filho mais ilustre da Argentina.
“Francisco foi como um pai para mim. Eu o conheço muito”, afirmou ao Correio o argentino Fábian Báez, sacerdote em Buenos Aires. “Eu o conheci desde adolescente. Confessava-me com ele, eu tinha uns 18 anos. Depois, foi meu bispo, ordenou-me sacerdote e, durante muitos anos, estive próximo a ele, aqui em Buenos Aires.” Ao ser questionado sobre as principais características de Francisco, o padre destacou o fato de Bergoglio ser um homem muito próximo. “Isso é a primeira coisa que vem à mente. Ele sempre me chavama pelo telefone, perguntando sobre mim, atento às pessoas, simples, bom, direto. Um homem normal, não? Também tinha muito senso de humor”, descreveu. “Eu gostava de estar com ele.”
O padre Fabián e Francisco se falaram pela última vez em 8 de fevereiro passado. “Ele me telefonou. Eu senti que ele estava meio afônico. Ele me disse que estava com muito trabalho com o Jubileu e não andava bem de saúde. Claro, ele estava com pneumonia. A nossa chamada durou somente 73 segundos”, contou o sacerdote. Báez considera que Deus presenteou Francisco e os fiéis ao permitir que um pudesse se despedir do outro durante a aparição do pontífice na Praça de São Pedro, no domingo de Páscoa, véspera de sua morte. “É claro, ele estava muito fragilizado. Mas, foi como uma saudação, um abraço, uma despedida do seu povo, que tanto o amava e a quem ele tanto amava também.”
Fabián relembra que, a cada ligação telefônica com Bergoglio, o papa sempre improvisava uma brincadeira. “Quando ele fala algo sério, também era muito sério. Mas estava sempre brincando por causa do futebol ou de outros assuntos. Era um homem muito alegre”, disse. Segundo o sacerdote, o clima na Argentina após a morte de Francisco é muito complexo. “Muitas pessoas o olhavam com o viés político. Vários argentinos se opunham a ele. Creio que, hoje, começamos a tomar consciência de que tivemos um papa que era argentino. Durante muito tempo, não percebemos isso.”
Mora López, 41 anos, passou parte do dia na Basílica de San José de Flores, no bairro onde Bergoglio nasceu. “Há muita emoção; foi-se o papa dos pobres, da solidariedade, em um mundo que gira rumo à direita”, relatou ao Correio. De acordo com ela, a comunidade de Flores está muito comovida, “um pouco órfã”. “Sabemos que ter um papa argentino foi algo histórico, perdemos um farol dos valores da humanidade, da solidariedade, da justiça social, da solidariedade. Ficamos um pouco mais sozinhos”, desabafou. Ela disse que conheceu Bergoglio há vários anos. “Eu trabalhava no cárcere do devoto, e Bergoglio visitava muito a prisão. Assisti às suas missas quando lavava os pés dos presos. Ele era humilde, mesmo estando em lugares de poder. Quando arcebispo, visitava villas (favelas) e penitenciárias sem dizer quem era.”
Torcedor do San Lorenzo e fã de tango, Francisco tinha temperamento enérgico, mas também era conhecido pela espontaneidade. “Sou uma pessoa impaciente (…) Às vezes tomo decisões rapidamente, com uma certa autossuficiência”, confessou em um livro de diálogos com pessoas em situação precária do mundo todo, publicado em 2022. Proveniente de uma família modesta e numerosa, Francisco foi filho de um ferroviário de origem piemontesa e de dona de casa.
Chegou a formar-se como técnico em química. Aos 17 anos, apaixonou-se por uma garota quando descobriu sua vocação, em um confessionário. Cinco anos depois, ingressou na Companhia de Jesus, onde formou-se em filosofia. A escolha no conclave, em 2013, reacendeu a controvérsia a respeito de suas ações durante a ditadura em seu país, de 1976 a 1983, quando foi criticado por não ter feito o suficiente para se opor ao regime militar. As acusações foram negadas pelo Vaticano e pelas vítimas da ditadura.
“Hoje, sentimos uma grande orfandade. Tenho certeza de que Deus suscitará um papa próximo a Francisco, o qual vamos querer e amar. Mas, hoje, o dia em que morreu o papa, representa a morte do pai. Experimentamos uma grande orfandade. É um homem que nos ensinava a palavra de Deus e era um grande profeta de nossos tempos. Um profeta que falava de igualdade, de direitos, de dignidade, de ecologia integral e de inclusão. Falava dos imigrantes, dos esquecidos, dos movimentos populares.”
Fábian Báez, sacerdote em Buenos Aires ordenado pelo papa Francisco, com quem confessou quando adolescente
Correio Braziliense