O que Lula deveria dizer se quer mesmo a paz em Israel

A esquerda brasileira respondeu no automático ao terrorismo do Hamas e acabou pagando um preço nos últimos dias. Debaixo de críticas, precisou deixar de lado o hábito de tratar como equivalentes ações assassinas direcionadas contra civis e ações militares direcionadas contra terroristas islâmicos.

Embora sem condenar frontalmente o Hamas, políticos como Lula e Guilherme Boulos se viram forçados a dizer que as atrocidades do fim de semana são injustificáveis. O MST tirou do ar uma postagem que descrevia os ataques como “resistência legítima”. O deputado federal Márcio Jerry (PCdoB-MA) demitiu de seu gabinete o ativista Sayid Tenório, que um dia antes havia zombado pelas redes sociais de uma jovem israelense feita como refém e arrastada pelos cabelos.

Tudo isso, no entanto, é somente um recuo tático. Não creio que a maneira de ver o Hamas tenha mudado substancialmente para qualquer uma dessas pessoas: continuarão a tratá-lo como um ator político “normal”, fingindo que seu propósito não é varrer do mapa o Estado de Israel e que seus líderes não são, antes de tudo, fanáticos religiosos.

Na entrevista que deu ao Papo Antagonista na segunda-feira (9), o advogado Fernando Lottenberg, comissário da OEA para Monitoramento e Combate ao Antissemitismo, previu que o apoio a Israel tende a se esvair conforme a resposta militar aos atentados progrida.

“Eu imagino que a reação de Israel será muito mais severa que em vezes anteriores”, disse Lottenberg. “É de se esperar que a boa vontade dos primeiros dias, pelo choque que causou no mundo todo a violência do Hamas contra civis israelenses, vá diminuir, e a gente verá o pêndulo andar para o outro lado.”

Não há dúvida de que civis vão morrer em Gaza nas próximas semanas. Diante disso, Lula, Boulos e companhia provavelmente estarão entre os primeiros a tentar forçar o pêndulo da opinião pública, dizendo que estavam certos o tempo todo — que não há diferença fundamental entre o Hamas e a única nação democrática do Oriente Médio.

Isso não é nem será verdade, a menos que Israel abandone quaisquer medidas para distinguir palestinos comuns de terroristas e ordene que seus soldados reúnam famílias na rua para fuzilá-las. Acontece que as chances de Israel enveredar por esse caminho são ínfimas, no mínimo, por razões pragmáticas: o país não se arriscaria a sofrer uma condenação daqueles que o apoiam no Ocidente, como os Estados Unidos e os principais países da Europa.

Lula e o PT dizem defender a “solução de dois Estados”, em que Israel e Palestina “convivam dentro de fronteiras seguras para ambos os lados”. Dizem também querer que o Brasil contribua para a construção da paz. Nada disso pode ser verdade na medida em que se trate o Hamas como interlocutor legítimo para negociações políticas, pela simples razão de que Israel não existe no mundo que o Hamas deseja a longo prazo.

Há alguns pontos de partida possíveis para que essas alegadas boas intenções da esquerda brasileira sejam mais que lero-lero. Primeiro, o Brasil deveria saudar a formação de um governo de emergência em Israel, como ocorreu nesta quarta-feira (11). Ele significa que para enfrentar a crise, depois das falhas catastróficas de inteligência que permitiram os ataques terroristas, o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu abriu espaço para políticos moderados ao seu lado e reduziu a força da extrema direita em seu gabinete.

Em segundo lugar, deveria passar a tratar a Autoridade Palestina como único parceiro viável para negociações entre palestinos e israelenses, em vez de insistir no apoio ao Hamas. Sim, a entidade que governa a Cisjordânia está decadente e desacreditada. E eis aqui uma crítica que merece ser feita: isso se deve em boa parte aos esforços de Israel, e especialmente de Netanyahu, para minar a sua representatividade. Mas, como lembra o jornalista Thomas Friedman, que se dedica à cobertura do Oriente Médio há 50 anos, é a Autoridade Palestina que tem colaborado há anos com Israel para manter a estabilidade na Cisjordânia — além, é óbvio, de ter sido a signatária dos Acordos de Oslo nos anos 1990.

Finalmente, o governo brasileiro poderia incentivar o prosseguimento das conversas inéditas entre Israel e Arábia Saudita, que vinham progredindo em bom ritmo. Quem mais odeia a ideia de que esse entendimento histórico possa se concretizar são o Hamas e seu financiador, o Irã. É certo que um dos objetivos dos ataques do fim de semana foi interromper essas negociações, que mudariam a face do Oriente Médio.

É óbvio que nenhuma dessas iniciativas faria a menor diferença, porque o Brasil é irrelevante nesse enredo. Mas o efeito aqui dentro não seria de todo desprezível. Daria pelo menos alguma credibilidade à ideia de que Lula e seu governo desejam mesmo a paz entre israelenses e palestinos, em vez de estarem mais preocupados com os interesses de um país como o Irã, que tem papel de destaque no “mundo multipolar” que os petistas sonham em construir ao lado de gente boa como o russo Vladimir Putin e o chinês Xi Jinping.

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