Após queda de 61% de cirurgias eletivas no SUS, médicos esperam explosão de demanda

Entre março e junho, quatro primeiros meses da pandemia do novo coronavírus, o Brasil fez cerca de 388 mil cirurgias eletivas (não urgentes) a menos no SUS, conforme dados do Ministério da Saúde, na comparação com a média dos cinco anos anteriores. A queda é de 61,4%. Com a flexibilização do isolamento social na maior parte do País e a retomada das operações, profissionais de saúde preveem alta expressiva da demanda.

Em março, o Ministério da Saúde orientou Estados a adiarem cirurgias eletivas, como uma forma de poupar leitos e evitar infecções pela covid-19. A recomendação foi reforçada mais tarde pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa)por meio de nota apoiada por 11 entidades nacionais. Com a pandemia, os leitos ficaram perto da ocupação máxima em muitas regiões. Só no Estado de São Paulo, houve diminuição de quase 175 mil (cerca de 59%) dos procedimentos eletivos de março a junho.

O problema, segundo especialistas ouvidos pelo Estadão, é que muitos dos pacientes com cirurgias adiadas agora sofrem com a demora para remarcar as intervenções na rede pública, enquanto seus quadros se agravam. Já no sistema de saúde suplementar, a rede privada diz ver queda de até 20% da receita esperada para o ano. “Alguns casos de especialidades que já tinham uma fila muito longa, realmente vai ter uma espera maior e pode sim haver agravamento do prognóstico”, diz Walter Cintra, professor de Gestão de Saúde da FGV e médico sanitarista.

“A segunda onda provavelmente não será causada pela covid-19, mas pela quantidade enorme de pacientes que retornarão para serem tratados por outras doenças em situação muito pior do que se encontravam antes da pandemia”, diz Gustavo Judas, presidente da Sociedade de Cirurgia Cardiovascular do Estado de São Paulo. Ele estima que o cancelamento de mais da metade dos procedimentos cardíacos pode criar um gargalo de até um ano nos hospitais.

No último dia 27, o governo paulista mudou os critérios do plano estadual de flexibilização da quarentena para que os municípios com taxa de ocupação da UTI inferior a 75% pudessem entrar na fase 4 (verde) – a regra antes previa ter menos de 60%. Isso havia sido defendido pela Prefeitura de São Paulo, como forma de liberar mais leitos que antes haviam sido reservados para a covid-19 e retomar a marcação das cirurgias eletivas, uma vez que houve desaceleração do contágio. Hoje, a capital está no nível 3 (amarelo), de cinco fases de flexibilização. Procurada, a Secretaria Municipal de Saúde não informou o número de procedimentos cancelados.

Beatriz Paiva Santos, de 13 anos, tinha uma cirurgia marcada para abril na rede paulistana, quando deveria tratar sua escoliose, um desvio da coluna. O pai da jovem, o empresário Gil Santos, de 68 anos, aguarda vaga para remarcar e se preocupa. “O agravante é que a doença da minha filha não está esperando muito e ela pode correr o risco de se tornar inoperável.”

Dentre as especialidades que mais preocupam, estão as cirurgias oncológicas, cardiovasculares e psiquiátricas, pela imprevisibilidade de evolução dos quadros, o que demandaria acompanhamento recorrente e rigoroso. “Mesmo sendo eletivas, algumas cirurgias não podem esperar eternamente. A situação já era difícil antes da pandemia. Essa questão ficou ainda mais clara”, diz Cintra, da FGV.

ESTADÃO CONTEÚDO

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