A pequena cidade brasileira que tinha maconha plantada até na praça principal

A pequena cidade brasileira que tinha maconha plantada até na praça principal

A pequena cidade de Cruzeta (RN) tornou-se notícia em todo o Brasil há 22 anos. Na época, foram encontradas diversas plantações de maconha no município. Havia erva em várias localidades da região, entre elas em casas de moradores, em uma praça e até no cemitério.

O caso ganhou repercussão em todo o país e até hoje é alvo de comentários dos moradores da cidade de 8 mil habitantes. Entre os mais novos, alguns têm dificuldade para acreditar que o caso tenha acontecido no pacato município.

Nas redes sociais, uma reportagem de um telejornal sobre as plantações em Cruzeta, na época em que elas foram descobertas, constantemente volta a repercutir. No YouTube, um vídeo sobre o assunto tem mais de 200 mil visualizações.

Os moradores que consumiam a planta alegaram à polícia, logo que o caso veio à tona, que utilizavam a erva somente para fins medicinais. Eles afirmaram que ficaram surpresos com a descoberta de que se tratava de maconha. Na época, eles tiveram medo de ser presos, pois o ato de plantar a erva, mesmo que em pouca quantidade, poderia ser considerado crime.

Por mais de um mês, a BBC News Brasil apurou o caso. Falando com especialistas, profissionais que participaram da situação, relatos de moradores e acesso ao inquérito policial sobre o assunto, a reportagem descobriu os detalhes sobre a história mais famosa da pequena Cruzeta.

Era noite de sábado, no início de junho de 1996, quando a delegacia de polícia de Cruzeta recebeu uma denúncia anônima sobre um suspeito que estaria vendendo maconha em um bar, em uma região próxima à saída da cidade.

Os policiais foram ao local e encontraram um rapaz com uma pequena quantidade da droga. Eles descobriram que, minutos antes, o jovem havia jogado uma sacola de plástico por cima de um muro, em um terreno vizinho ao bar.

Conforme relatos dos policiais, na sacola foram encontradas diversas folhas de uma planta de cor verde, aparentemente recém-colhida, semelhante à maconha. O suspeito foi preso e encaminhado à delegacia, onde declarou ter conseguido a erva no quintal de um idoso de Cruzeta.

Na segunda-feira seguinte, a polícia do município obteve um mandado de busca e apreensão, expedido pela Justiça, que permitiu que fossem até a residência de João*, o idoso apontado pelo rapaz, na época com 63 anos. No muro da casa dele encontraram uma planta de três metros de altura.
Segundo a polícia, João pediu para que não cortassem a planta. “Ele tinha vários tambores com a erva curtida em água, consumia diariamente e tratava aquilo como um líquido santo”, relata a professora Renilda Medeiro, de 54 anos, que mora em Cruzeta desde a infância. Segundo ela, o idoso tinha câncer e acreditava que o líquido o ajudava na luta contra a doença. “Ele dizia que essa planta aliviava todas as dores que sentia e impedia que a doença avançasse.”

De acordo com Renilda, muitos moradores de Cruzeta, ao saber dos benefícios que João afirmava conseguir com a erva, haviam pedido mudas ao idoso. “Várias pessoas quiseram plantar em casa”, conta.

Logo que encontrou a plantação na casa do idoso, a polícia de Cruzeta cortou a erva e a levou para a delegacia da cidade.

Em depoimento, prestado em setembro de 96, João declarou que a planta estava na sua casa havia oito anos, desde que sua mulher trouxera a erva da casa de uma irmã, em Natal (RN). O idoso afirmou que a utilizava para curar doenças. “Ele (João) disse que várias pessoas pediam galhos para fazer remédios. João nunca soube se alguém usava a mesma como entorpecente”, narra parte do inquérito policial sobre o caso, ao qual a BBC News Brasil teve acesso.

Foram encontradas plantas em, ao menos, seis residências de Cruzeta e em locais como a praça principal perto da prefeitura, em um cemitério e em frente a uma igreja. “Algumas chegavam a seis metros de altura”, relata o escrivão do cartório de Cruzeta na década de 90, Pedro George de Brito.

“As praças de Cruzeta eram bastante arborizadas, então, era comum que as pessoas plantassem por ali. Em uma dessas, acabaram plantando maconha também”, comenta Renilda.

A praça principal perto da prefeitura, em um cemitério e em frente a uma igreja. “Algumas chegavam a seis metros de altura”, relata o escrivão do cartório de Cruzeta na década de 90, Pedro George de Brito.

A Justiça determinou que fossem cortadas e apreendidas todas as plantações de maconha da cidade. O caso repercutiu na região e diversos moradores foram à delegacia somente para conhecer a famosa planta apreendida no município.

“Na época, existiam duas correntes, uma a favor e outra contra a planta. Muita gente achava um absurdo mandar cortar aquilo, porque não fazia mal a ninguém. Mas havia outros que eram a favor de retirar as plantas da cidade. O certo é que a polícia fez o que deveria ser feito”, declara o juiz Sérgio Dantas, que na época era o responsável pela comarca de Cruzeta.

Logo após ser apreendido e permanecer em observação por dias, o material foi incinerado em fornos das indústrias cerâmicas da cidade.

Parte dos itens, em vez da incineração, foi encaminhada ao Instituto Técnico-Científico de Perícia do Rio Grande do Norte (ITEP-RN), para análise. O laudo identificou a erva como liamba. “É uma planta Cannabis sativa, uma das formas como é popularmente conhecida a maconha”, explica Renato Filev, pesquisador do Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (Cebrid), da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

Entre os moradores de Cruzeta, houve relatos de pessoas que chegaram a tentar fumar a planta, como foi o caso de Francisca*, na época com 37 anos. “Ela disse que já fumou, mas não sentiu nenhum efeito. Não sabe dizer se alguém usava como droga. A mulher sabe que se misturada com uísque, a erva tem efeito entorpecente”, relata trecho do inquérito policial.

BBC

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