O pensamento conservador: retomando conceitos… “Uma comunidade de almas que reúne os mortos, os vivos e os que ainda não nasceram”.

Hoje em dia noto uma tremenda confusão sobre o verdadeiro significado do que pode ser taxado como pensamento conservador (em política).

Ser taxado como tal equivale quase a um insulto.

Certamente, no contexto brasileiro,essa confusão assume contornos mais fortes dada a recente experiência com um regime de exceção,historicamente vinculado a grupos da sociedade rotulados como conservadores.

Sobre essa característica nossa, pontua bem o Professor João Pereira Coutinho: “Em um país de democracia recente e marcado historicamente por “ditaduras” como o Brasil, o pensamento político conservador costuma ser associado ao autoritarismo e à supressão das liberdades individuais”.

Entretanto, tal associação não sobrevive à digressões mais profundas no universo do conservadorismo – ou conservadorismos – como ensina o mestre português, uma vez que o que se pode identificar como pensamento conservador,revela algo bastante diverso do que uma mera reação à qualquer tipo de mudança na sociedade,ou idealizações do passado ou, ainda,ilações sobre um futuro utópico.

O célebre Edmund Burke, filósofo e político britânico do século XVIII, considerado o pai do pensamento conservador, resume bem esse sentimento ao conceber a sociedade como “uma comunidade de almas que reúne os mortos, os vivos e os que ainda não nasceram”.

Assim sendo, somos devedores dos nossos antepassados, guardiões de suas conquistas no presente e temos responsabilidades com relação às gerações futuras.

Um conservador, portanto, é aquele que valoriza a experiência acumulada no processo civilizatório, sem fechar as portas para o aperfeiçoamento do que foi, a duras penas, construído pela civilização.

Mas essas mudanças devem ocorrer para solução de problemas concretos e não a partir de uma construção teórica de conceitos criados pela cabeça de algum pensador revolucionário.

Ou seja, o pensamento conservador tem profunda desconfiança com relação à ideologias que tenham a pretensão de explicar tudo, oferecer todas as soluções para os problemas do mundo e, como geralmente ocorre, que trazem consigo o propósito de dominá-lo.

Recorrendo mais uma vez a Burke para sintetizar o raciocínio: “nada universal pode ser racionalmente afirmado sobre qualquer assunto moral ou político.”

Na linha do raciocínio difundido por Luís Felipe Pondé, o pensamento conservador, especialmente o de origem britânica, tem um quê de ceticismo, na medida em que desconfia de explicações criadas por teóricos de gabinete ao invés de construí-las a partir da vivência prática e para solucionar problemas postos.

O conservador, portanto, contesta, contrapõe, desconfia, não embarca em aventuras e nem se deixa seduzir pela narrativa elegante e fácil das mudanças bruscas gestadas em processos revolucionários.

Antes de mais nada, reconhece as limitações das construções teóricas e a imperfeição do ser humano.

Como sabemos e aprendemos com o passar dos anos, conceber, construir e manter não é algo fácil de se fazer, porém, destruir, desfazer, desconstruir, além de bem mais simples, chega a ser até sedutor.

Um conservador não enxerga o mundo de acordo com um raciocínio binário (o bem e o mal; nós e eles; sim e não), mas sim admite sua complexidade e, a partir dela, se porta diante da realidade.

Aliás o conservadorismo pode ser definido como uma prática, uma postura diante do mundo que dialoga com o passado sem que esteja imobilizado pela tradição.

Por prestigiar as instituições democráticas, um conservador não apoia golpes, pois defende o regime constitucional posto e vigente. Diante de um cenário de descumprimento do mandato constitucional, advoga sempre pela saída prevista no próprio modelo legal.

Defende também a liberdade e o vigor das instituições (frutos da experiência e dos erros e acertos de nossos antepassados), embora, como lembrado, entenda que o aperfeiçoamento das mesmas possa – e deva – acontecer.

O conservadorismo não pode ser confundido com uma visão reacionária de mundo, na medida em que não fechas as portas para mudanças, não idealiza experiências passadas (que geralmente não existiram de fato), sabe conviver com a complexidade do mundo e abomina o pensamento único.

Aliás, reacionários e revolucionários possuem algo em comum, convivem com mundos utópicos, um preso no passado e o outro,no futuro, ambos idealizados.

Enfim, retomando os significados adequados, não devemos confundir o pensamento conservador com o atraso, o obscurantismo, a intolerância, a negação da ciência e a defesa de crendices medievais.

Pelo contrário.

Herdeiro do iluminismo, o pensamento conservador afirma-se como filosofia política lastreada por densa tradição intelectual.

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