“Somos uma família normal, da tão falada classe média do Chile. Com muito esforço, sacrifício, estudo, conseguimos viver tranquilos. Tivemos cinco filhos, um homem e quatro mulheres… mas uma delas não está mais conosco.”
Assim se apresenta Alejandro Barra à BBC.
A filha ausente é Antonia, uma jovem que tirou a própria vida em outubro de 2019, aos 21 anos, depois de deixar dois relatos contando ter sido estuprada.
O acusado, Martín Pradenas, 28, estava em prisão domiciliar, à espera de um julgamento que teve sua primeira audiência na última quinta-feira (23) e que tem comovido a população chilena. Ele nega o crime.
Na sexta-feira, a Corte de Apelações da cidade de Temuco, no sul do país, revisou as decisões tomadas na Primeira Instância da Justiça e atendeu a um pedido da Promotoria: revogou a prisão domiciliar e a substituiu por prisão preventiva, por considerar o acusado um “perigo à sociedade”.
A audiência, realizada pela internet, foi acompanhada em peso pelo público em geral: o canal do Poder Judiciário teve um milhão de acessos, uma cifra recorde.
É o que escolheu Alejandro Barra: dar a maior visibilidade possível ao caso, não só para fazer justiça à filha, diz ele, como para dar a outras meninas e mulheres a chance que Antonia não teve em vida: a de denunciar o estupro sem temer o estigma e a humilhação.
“A decisão (suicídio) da minha filha foi muito dolorosa para nós. E percebemos que ela tinha a ver com a vergonha, a dor”, diz ele.
O caso
Quase um mês antes de cometer suicídio, em 18 de setembro, a jovem havia se encontrado com Pradenas em uma casa noturna. De lá, ele a levou a um chalé alugado, onde estava um grupo de amigos seus.
Os fatos que se seguiram foram reconstruídos, entre outras provas, por meio dos áudios que Antonia deixou, pedindo ajuda a uma de suas amigas e contando do estupro para um ex-namorado.
No dia em que soube da morte da filha, Barra conta que estava dirigindo, na estrada.
“Uma hora antes de chegar em casa, me contaram o que havia ocorrido. Tem uns primeiros segundos em que você pensa em fazer alguma loucura. Mas algo me freou, me acalmou. E tive uma hora para pensar que algo muito grave teria que ter acontecido para a minha filha tomar aquela decisão. Porque eu sei como ela era: responsável, uma menina que queria viver, que queria viajar aos Estados Unidos, que queria sair e percorrer o mundo”, conta.
Ao inspecionar o celular da filha, conversar com amigos e escutar áudios descrevendo o estupro (alguns gravados sem o consentimento de Antonia), Barra começou a compreender as circunstâncias por trás do suicídio.
“Isso aconteceu no domingo. Na segunda-feira de manhã, eu já estava fazendo comunicados à emissora local. Chamei a imprensa, disse que havia motivos para o suicídio da minha filha. Assim começaram as reportagens. Eu tive que fazer isso.”
E assim se iniciou a mobilização do público em torno do caso.
“Ela (Antonia) não quis criar problemas para seus pais. Não queria que o pai soubesse (do estupro), que fosse à porta do acusado dar-lhe a surra que merece. Semanas se passaram, e minha filha nunca contou o que estava acontecendo”, relata.
“Hoje eu penso: quantas meninas iguais à minha filha, que, por vergonha da exposição, de ter o dedo apontado a elas, não denunciam? Uma menina que se atreve a denunciar um criminoso deve ser aplaudida. É isso que quero obter. Porque faltou à minha filha que eu e a sociedade inteira lhe disséssemos: tudo tem solução. Eu digo às meninas: se algo assim acontece com vocês, contem. Não acreditem que vão lhe apontar o dedo, que vai sair nas redes, porque tudo isso pode ser solucionado. Tudo, menos a morte.”
R7